sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Reflexos

"Apenas um truque da luz , nada mais" Pensou Júlia ao olhar no espelho novamente. Podia jurar que tinha visto algo se mexer ali dentro, no reflexo . Como o espelho estava virado para a janela , podiam ser as luzes da rua, tornando as imagens vagas e indistintas à noite.

A uma semana comprara o objeto num leilão. Uma verdadeira pechincha pelo que diziam ser uma penteadeira francesa do séc XIX, que se encontrava em uma casa velha na rua do Ouvidor, centro do Rio. Achara o anúncio num jornal e correra para adquirir alguma coisa num leilão tão barato. Quase não acreditara que aquela peça tão delicada de madeira de lei, com entalhes de anjos em suas pontas , gavetas com puxadores de prata maciça pudesse estar a venda por um preço tão ínfimo. Quase duvidou da veracidade da informação sobre o objeto , mas acompanhada de um amigo leiloeiro , que adquiriu candelabros de bronze por um preço quase ilusório, pôde verificar a autenticidade do tal.

"500 reais para a senhora com o número 45!"

Não podia caber em si com a compra. Era famosa por adquirir peças antigas e ,em seu apartamento no leblon, podia-se verificar a quantidade de obras de arte espalhadas pelo imóvel, anos de dedicação e milhares de dólares gastos em sua coleção. Morava só e sua distração era ir a leilões onde disputava com outros seu poder de barganha e sua capacidade de compra.

Mostrara as amigas a penteadeira , e não se cansava de mandar lustrá-la com uma obsessão infantil, como se fosse um brinquedo novo que não se podia estragar. Até quando as empregadas respiravam muito perto do móvel eram repreendidas , com pavorosos gritos de Júlia.E todas estavam proibidas veementemente de lhe abrir as gavetas sob pena de demissão imediata.

Tudo começou numa terça. Júlia havia saído para uma costumeira caminhada que fazia pela praia, quase todas as manhãs deixando ordens expressas para arrumarem seu quarto pois iria receber algumas pessoas para jantar mais tarde e queria mostrar-lhes seu mais precioso objeto. Na cozinha , as empregadas só falavam sobre como a sua patroa era dedicada aquela penteadeira e parecia ter esquecido toda sua coleção.

"Eu já trabalho com ela a 20 anos e nunca vi coisa mais estranha." sussurava Cleide para as mais novas.
Era uma senhora de 56 anos com cara de 78 e era a governanta da casa. Estava assustada com a reação da patroa ao seu mais novo objeto de adoração. Fez o sinal da cruz sem saber o porque ao lembrar do quarto , como se quisesse afastar alguma coisa de perto de si, e uma secura na boca a forçou a beber um gole de água.

"Lurdes , você vai limpar o quarto de dona Júlia hoje. Passe uma vassoura no chão e arrume suas roupas de cama , e só , o quarto está bem limpo. Lembre-se de não abrir as gavetas da penteadeira , só tire a poeira e passe o lustra móveis."

Subindo as escadas do apartamento duplex, Lurdes não pôde conter um arrepio por sua coluna. Era nova na casa, trabalhava a apenas 3 meses com Dona Júlia ,que sempre havia sido uma mulher seca, porém justa sem nunca lhe levantar a voz nem nada. Mas ao olhar da escada para dentro do quarto meio escuro com as cortinas fechadas , uma voz interior lhe dizia somente isso:

"Vá embora"

No meio do caminho parou e olhou para os lados como um animal que, mesmo sabendo da armadilha, não consegue impedir seus instintos de se aproximar. Seriamente refletiu sair porta afora naquela hora , mas pensou bem e, balançando a cabeça ,deu um sorriso seco envergonhada de seus próprios temores. Foi entrando no quarto devagar, vassoura na mão e balde na outra e seus passou faziam um leve barulho sobre as tábuas corridas que cobriam o quarto. A primeira coisa que olhou ao entrar, foi o espelho da penteadeira, e no escuro, formas estranhas passeavam por seu interior.

FM

CONTINUA

Alguns pontos...

Dez Coisas que Levei Anos Para Aprender
1. Uma pessoa que é boa com você, mas grosseira com o garçom, não pode ser uma boa pessoa.

2. As pessoas que querem compartilhar as visões religiosas delas com você, quase nunca querem que você compartilhe as suas com elas.

3. Ninguém liga se você não sabe dançar. Levante e dance.

4. A força mais destrutiva do universo é a fofoca.

5. Não confunda nunca sua carreira com sua vida.

6. Jamais, sob quaisquer circunstâncias, tome um remédio para dormir e um laxante na mesma noite.

7. Se você tivesse que identificar, em uma palavra, a razão pela qual a raça humana ainda não atingiu (e nunca atingirá) todo o seu potencial, essa palavra seria "reuniões".

8. Há uma linha muito tênue entre "hobby" e "doença mental".

9. Seus amigos de verdade amam você de qualquer jeito.

10. Nunca tenha medo de tentar algo novo. Lembre-se de que um amador solitário construiu a Arca. Um grande grupo de profissionais construiu o Titanic.

Luís Fernando Veríssimo

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Johnny Cascavel-The endless watch

Não gosto de cavalos domesticados. Não sei porque mas sempre achei os cavalos domesticados uma aberração.Os olhos mortiços, presos à vontade indomável do Homem. Já assistiu cavalos selvagens correndo? São uma força da natureza , e se o Homem com toda sua arrogância quiser pará-los, não consegue .Uma onda de pura energia.

Por isso não tenho um cavalo. Quando a oportunidade aparece, tento pegar um selvagem para fazer um serviço, como agora. Vejo a poeira de duas dúzias deles alastrar-se no horizonte. Mancham o céu de marrom , um céu azul.

Preparo o laço. Não tarda chegam correndo. Vem pelo Rio que os Unami chamam "Raio azul" da bacia no vale Rustú. Estou mais no alto, no meio de um pequeno bosque e param abaixo de mim bebendo água ,atentos. Dividem a atenção uns com os outros para que todos possam beber água em paz. Escolho uma égua toda negra. É forte e vai servir para o que pretendo fazer.

Faço um semicírculo descendo, me afastando e chego em uma pequena queda dágua. Ainda não me cheiraram por milagre... me aproximo devagar, cautelosamente , mas não me escondo, pois se quisessem já teriam ido.

Me encaram, todos eles .Observo o ALFA. É alvo como a espuma do rio e tem a crina de um azul tão leve , tão sutil que só de muito perto podemos percebe-la. Olhos azuis me encaram com uma força incomum até mesmo para um cavalo selvagem. Relincha alto.
Posso sentir a força primeva do bando, a concentração de energia que fazem aqueles músculos potentes trabalharem. Nunca tive uma sensação tão forte de união.

"Não são desse mundo" concluo.

Tento me aproximar mas depois de um segundo saem em disparada e desaparecem se fundindo um a um com as águas . São Entes , Protetores do Rio , tomam conta para que o homem branco não conspurque mais um lugar sagrado.

Pego uma pedra no leito , ela é azulada.

"Raio azul" digo baixinho, pensando nos Unami.

FM